quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Abundância de água e escassez a vista...Temos saída?

A água é o recurso natural mais abundante do planeta. De maneira quase onipresente, ela está no dia a dia dos 7 bilhões de pessoas que habitam o planeta. 

Além de matar a sede, a água está nos alimentos, nas roupas, nos carros e na revista que está nas suas mãos — se você está lendo a reportagem em seu tablet, saiba também que muita água foi usada na fabricação do aparelho. Mas o recurso mais fundamental para a sobrevivência dos seres humanos enfrenta uma crise de abastecimento. Estima-se que cerca de 40% da população global viva hoje sob a situação de estresse hídrico. Essas pessoas habitam regiões onde a oferta anual é inferior a 1 700 metros cúbicos de água por habitante, limite mínimo considerado seguro pela Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse caso, a falta de água é frequente — e, para piorar, a perspectiva para o futuro é de maior escassez. De acordo com estimativas do Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar, com sede em Washington, até 2050 um total de 4,8 bilhões de pessoas estará em situação de estresse hídrico. Além de problemas para o consumo humano, esse cenário, caso se confirme, colocará em xeque safras agrícolas e a produção industrial, uma vez que a água e o crescimento econômico caminham juntos. A seca que atingiu os Estados Unidos no último verão — a mais severa e mais longa dos últimos 25 anos — é uma espécie de prévia disso. A falta de chuvas engoliu 0,2 ponto do crescimento da economia americana no segundo trimestre deste ano. 

A diminuição da água no mundo é constante e, muitas vezes, silenciosa. Seus ruídos tendem a ser percebidos apenas quando é tarde para agir. Das dez bacias hidrográficas mais densa- mente povoadas do mundo, grupo que compreende os arredores de rios como o indiano Ganges e o chinês Yang-tsé, cinco já são exploradas acima dos níveis considerados sustentáveis. Se nada mudar nas próximas décadas, cerca de 45% de toda a riqueza global será produzida em regiões sujeitas ao estresse hídrico. "Esse cenário terá impacto nas decisões de investimento e nos custos operacionais das empresas, afetando a competitividade das regiões", afirma um estudo da Veolia, empresa francesa de soluções ambientais. 

VEJA AQUI: Copo meio vazio 

Em muitos países em desenvolvimento e pobres, a situação é mais dramática. Falta acesso a água potável e saneamento para a esmagadora maioria dos cidadãos. Só o tempo perdido por uma pessoa para conseguir água de mínima qualidade pode chegar a 2 horas por dia em várias partes da África. Pela maior suscetibilidade a doenças, como a diarreia, quem vive nessas condições costuma ser menos produtivo. Essas mazelas já são assustadoras do ponto de vista social, mas elas têm implicações igualmente graves para a economia. Um estudo desenvolvido na escola de negócios Cass Business School, ligada à City University, de Londres, indica que um aumento de 10% no número de pessoas com acesso a água potável nos países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) conseguiria elevar o crescimento do PIB per capita do bloco cerca de 1,6% ao ano. "O avanço econômico depende da disponibilidade de níveis elevados de água potável", aponta Josephine Fodgen, autora da pesquisa. "Embora não se debata muito o tema, o mundo pode sofrer uma crise de crescimento provocada pela escassez de água nas próximas décadas."

MAIS RENDA LÍQUIDA 
Desde a década de 90, a extração de água para consumo nos centros urbanos do Brasil aumentou 25%, percentual que é o dobro do avanço do PIB per capita dos brasileiros no mesmo período. Quanto maior é a renda de uma pessoa, mais ela tende a consumir e maior é seu gasto de água. Isso é o que se convencionou chamar de pegada hídrica, a medida da quantidade de água utilizada na fabricação de tudo o que a humanidade consome — de alimentos a roupas. O conceito e os cálculos desenvolvidos na Universidade de Twente, na Holanda, permitem visualizar em números o impacto até mesmo da mudança da dieta dos povos que enriqueceram rapidamente. "Uma enorme quantidade de água é gasta hoje para que o mundo consuma mais carne", explica Ruth Mathews, diretora executiva da Water Footprint Network, rede de pesquisadores que estudam o tema.

Água é coisa séria. A falta dela, é questão de vida ou morte!

Vamos fazer um passeio juntos. Vamos entender o que ocorre no mundo. Como é comum em países emergentes e pobres, na Índia parte dos burocratas vive no mundo do faz de conta. Pelos cálculos oficiais da companhia de saneamento de Nova Délhi, apenas 12% do suprimento de água da capital da Índia vem do subsolo. Na realidade, porém, estima-se que pelo menos metade de toda água consumida na cidade, de quase 17 milhões de habitantes, tenha origem nos lençóis subterrâneos, grande parte deles contaminada pelo esgoto. O rio Yamuna, o poluído afluente do Ganges que abastece a capital, costuma ter um bom fluxo de água somente durante os três meses de chuvas. No resto do tempo, impera a escassez. Nos meses mais secos, a disponibilidade de água num raio de 100 quilômetros da capital é de 26 litros por pessoa por dia (o recomendável são 100 litros por pessoa por dia, volume que equivale a menos de uma banheira cheia). Estima-se que o volume deva cair para menos de 5 litros até 2050. O que ocorre em Nova Délhi é um exemplo dos desafios do abastecimento de água nas maiores metrópoles mundiais. Em menos de 15 anos, a demanda por água nas grandes cidades deve aumentar 40%, segundo cálculos da consultoria americana McKinsey. Será necessário buscar, sabe-se lá onde, quase 80 bilhões de metros cúbicos a mais, o equivalente a 20 vezes o consumo atual da cidade de Nova York. 

Hoje, mais da metade dos habitantes do planeta já vive nas cidades. Esse número deverá aumentar para quase 60% da população mundial em 2025, com um agravante. Levando- se em conta o crescimento populacional nos centros urbanos mais a migração vinda do campo, as metrópoles receberão 1 bilhão de novos habitantes nos próximos 13 anos. Quase todas as cidades em que o consumo de água deve crescer acentuadamente ficam em países emergentes. "Não vamos solucionar esse problema sem gastar tempo, vontade política e muito dinheiro", diz Rob McDonald, pesquisador da ONG americana The Nature Conservancy. Atualmente, pelas contas de pesquisadores da Universidade da Cidade de Nova York, quase 900 milhões de pessoas vivem em cidades onde falta água em algum momento do ano. Ou seja, durante pelo menos um mês do ano, a disponibilidade é inferior a 100 litros por pessoa por dia. 



Escassez pelo mundo.

Para parte dos ambientalistas, o crescimento das cidades, apesar dos problemas que gera, é a solução. Simplesmente porque é mais barato construir infraestrutura para áreas com grandes densidades. Essa é a teoria. Na prática, países emergentes e pobres não têm conseguido prover os serviços básicos nem em suas maiores cidades. Para piorar a situação, cerca de 80% da demanda futura deve vir da parte do globo onde hoje a qualidade e a distribuição da água transitam entre o ruim e o muito ruim. Na Cidade do México, por exemplo, a oferta de água nos dias mais secos é reduzida a 2 litros por habitante. Se nada for feito, essa situação de calamidade vai se espalhar. Estima-se que, até 2050, 3 bilhões de pessoas enfrentarão algum tipo de privação hídrica nas cidades.

No Brasil, onde estão 12% da água doce mundial, menos da metade dos 5 565 municípios tem abastecimento considerado satisfatório. Para não arriscar ficar sem água nos próximos três anos, a outra metade precisa investir na ampliação dos sistemas de captação ou encontrar novos mananciais. "Há um descompasso entre o crescimento urbano, com a expansão das favelas e dos bairros de periferia, e a velocidade com que se constrói infraestrutura de tratamento de água e saneamento", afirma Glauco Kimura de Freitas, coordenador do programa de água doce da ONG WWF Brasil. Se a questão do abastecimento de água se resumisse à quantidade, já seria gravíssima. Mas somam-se as dificuldades relacionadas à qualidade. Na China, por exemplo, o Ministério dos Recursos Hídricos já admite que mais de 70% de toda a água da superfície do país — e 74% da subterrânea — está poluída. Ou seja, é preciso ser tratada para ser consumida. "É triste perceber que problemas de poluição semelhantes aos que assolam as cidades chinesas, onde há contaminação por mercúrio, já aconteceram em outros lugares antes e são extremamente conhecidos. Mesmo assim, não foram evitados", diz Darrin Magee, diretor do Centro de Estudos Ambientais Asiáticos da faculdade Hobart and William Smith, de Nova York. 

A inabilidade dos gestores públicos em lidar com a questão da água é generalizada, e a fatura para zerar o problema é alta. De acordo com a consultoria McKinsey, para prover água a toda a população urbana do mundo até 2025, serão necessários investimentos de 480 bilhões de dólares em infraestrutura de tratamento e distribuição, o equivalente ao PIB da Noruega. Parece muito, mas o preço de não fornecer água de qualidade pode ser muito maior. No México e na Índia, o número de protestos provocados pela escassez tem aumentado. A crescente tensão ficou clara no último verão indiano, que bateu recorde de calor. O pico da demanda inflacionou os preços cobrados pela máfia do caminhão-pipa e elevou a pressão sobre os lençóis freáticos. Embora seja proibido, os proprietários de terra da região abrem poços em seus quintais para sugar água do subsolo e vendê-la ilegalmente. Cada 1 000 litros — o consumo de uma família de quatro pes soas durante cinco dias — custa o equivalente a até 40 reais, valor alto para o padrão das famílias mais pobres nas grandes cidades. A cada nova onda de calor, os agricultores perfuram mais fundo, os donos dos caminhões-pipa cobram mais caro e a população urbana fica mais revoltada. O fenômeno ganhou as manchetes da mídia internacional neste ano. Se os investimentos necessários não forem feitos, a tendência é que esse se transforme no novo padrão. Infelizmente, não apenas na Índia
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