Quais seriam as razões para alguém tirar a própria vida? O desespero pode chegar a beira do insuportável? Uma coisa é fato. A cada dia, o sofrimento – físico ou emocional – fica mais intenso e viver torna-se um fardo pesado e angustiante para muita gente com dificuldade em lidar com o inesperado. Sua dor parece incomunicável; por mais que você tente expressar a tristeza que sente, ninguém parece escutá-lo ou compreendê-lo.
Diante dos aspectos relatados, a vida perde o
sentido e a vontade de viver vai aos poucos sendo corroída pelo desejo de parar
com a cadeia de sofrimento. O mundo ao seu redor fica insosso para muitos. Você
sonha com a possibilidade de fechar os olhos e acordar num mundo totalmente
diferente, no qual suas necessidades sejam saciadas e você se sinta outro.
Dentro dessa perspectiva, o suicida pode entender
ser a morte o passaporte para essa nova vida? Como isso pode ser possível se a
nossa tendência é valorizar a vida e não acabar com ela?
Nossa cultura valoriza a vida em todos os sentidos,
haja vista os incontáveis métodos de rejuvenescimento. Daí a morte, mesmo sendo
um processo natural, não é bem-vinda porque rompe com o sonho humano de
imortalidade. O suicídio, então, é tido como intolerável, nos conduzindo quase
sempre a buscarmos uma justificativa para compreender tal ato e amenizar nossa
perplexidade.
Parece comum ao ser humano experimentar, pelo menos
uma vez na vida, um momento de profundo desespero, dor ou sofrimento e de
grande falta de esperança. Os adjetivos são mesmo esses: extremo, insuportável,
profundo. Mas, aos poucos, os seus sentimentos e idéias se reorganizam.
Suas
experiências cotidianas passam a fazer sentido novamente e você consegue
restabelecer a confiança em si mesmo. Você descobre uma saída, procura apoio,
encontra compreensão. Aquele desejo autodestrutivo, aquela vontade de resolver
todos os problemas num golpe só, se dilui. E você segue adiante. Muitos, no
entanto, não conseguem encontrar uma alternativa. O suicídio, para esses,
parece ser a última cartada contra o sofrimento, um gran finale para uma vida
aparentemente sem sentido, para um presente pesado demais ou para um futuro que
por mais amedrontador que seja, possa significar algo melhor que o momento
presente.
O suicídio tem muitas explicações, inclusive no
campo filosófico, mas não tem explicações objetivas. O suicídio agride,
estarrece, silencia. Continua sendo tabu, motivo de vergonha ou de condenação,
sinônimo de loucura, assunto proibido na conversa com filhos, pais, amigos e
até mesmo com o terapeuta. Mas as estatísticas mostram que o suicídio precisa,
ser melhor discutido, e isso já passou da hora faz tempo. Trata-se, além de uma
expressão inequívoca de sofrimento individual, de um sério problema de saúde
pública.
De acordo com o mais recente relatório da
Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 804 mil pessoas se mataram no ano
2012 em todo o mundo – uma taxa de 11,4 para cada 100 mil habitantes. Isso
significa um suicídio a cada 40 segundos. A “violência autodirigida”, como o
suicídio é classificado pela OMS, é hoje a 14ª causa de morte no mundo inteiro.
E a terceira entre pessoas de 15 a 44 anos, de ambos os sexos. Por isso, o
suicídio não pode mais ser ignorado.
Casos de suicídio muitas vezes são deliberadamente
mascarados nas estatísticas oficiais. Suicídios de crianças tidos como morte
acidental ou acidentes de automóvel, causados por jovens que dirigem
alcoolizados e em alta velocidade: para os especialistas, esses são, sim, atos
suicidas.
O pensamos em suicídio é caracterizado com um
pensamento humano. por mais incomum ou bizarro que possa parecer. Se não
desejamos nos matar, ao menos cogitamos morrer – morrer para escapar do
sofrimento, para nos vingar, para chamar a atenção ou para ficar na história.
Outro fator que faz a gente pensar é, por que algumas pessoas desistem e outras
não?
O suicida tem desejos de vingança como, por exemplo,
uma forma de punir pessoas próximas para que se sintam culpadas ou tristes.
Pode ainda ter desejo de reparação, de salvação, de escape, de sacrifício, de
reencontrar-se com alguém que já tenha morrido, de estar mais próximo de Deus,
etc.
Tais desejos são declarados em cartas de despedida
ou em fragmentos de conversas relatadas, mais tarde, lembradas por amigos ou
familiares, sobre alguns comportamentos ou falas que sinalizavam a intenção de
suicídio, mas que naquele momento não deram importância.
Por isso que é perigoso avaliar um comportamento de
alguém que diz que quer se matar banalizando com frases do tipo “ele (a) só
quer chamar atenção”. É preciso ajudar, sem necessariamente ser um
especialista, demonstrando interesse genuíno em acolher o outro.
Coragem ou covardia de quem tira a própria vida? As
opiniões se dividem. De qualquer forma, o ato contra a vida pode ocorrer num
gesto impulsivo e a pessoa vai embora pra sempre. E é o pra sempre que nos
incomoda.
Por trás do comportamento suicida há uma combinação
de fatores biológicos, emocionais, socioculturais, filosóficos e até religiosos
que, embaralhados, culminam numa manifestação exacerbada contra si mesmo.
Existem causas imediatas predisponentes – como perda
do emprego, enfermidade grave ou terminal, fracasso amoroso, morte de um ente
querido ou falência financeira, mágoas e decepções dentre outras – que agem
como o último empurrão para o suicídio. A análise das características
psicossociais do indivíduo, porém, revela os motivos que, ao longo da vida, o
auxiliaram a estruturar o comportamento suicida.
Fenômeno complexo, o suicídio configura um
assassinato, em que vítima e agressor são a mesma pessoa. A definição de
suicídio implica necessariamente um desejo consciente de morrer e a noção clara
de que o ato executado pode resultar nisso.
O fato de estar consciente de que vai efetuar um ato
suicida não elimina, no entanto, o estado de confusão mental que o indivíduo
experimenta momentos antes da ação. Afinal, o suicida tem diante de si duas
iniciativas complexas e contraditórias a conciliar naquele momento: tirar a vida
e morrer. O suicídio ocorreria, então, num instante em que a pessoa se encontra
quase fora de si, fragmentada, com os mecanismos de defesa do ego abalados e,
por isso, “livre” para atacar a si mesma.
Há suicídios e suicídios. Por isso, os especialistas
costumam avaliar a tentativa de se matar ou o ato propriamente dito a partir de
duas variáveis: a intencionalidade e a letalidade. A primeira diz respeito à
consciência e à voluntariedade no planejamento e na preparação do ato suicida.
A segunda, ao grau de prejuízo físico que a pessoa se inflige. Existem casos em
que o indivíduo demonstra evidente intenção de morrer e alto grau de
letalidade, ao optar por um método eficiente. Em outras ocorrências, a vontade
de morrer é fraca, apesar de voluntária, e o método escolhido é pouco
prejudicial. Ou seja: há casos de suicidas propriamente ditos. E há casos em
que a pessoa só está pedindo socorro, implorando para ser resgatada. E outros,
cujo objetivo é mesmo acabar com a própria vida, por desconhecimento da maneira
mais efetiva de causar danos graves a si mesmos, acabam sobrevivendo. É bom
lembrar que em casos assim, se o candidato em potencial não receber tratamento
adequado, poderá tentar novamente.
Dados da OMS indicam que o suicídio geralmente
aparece associado a doenças mentais – sendo que a mais comum, atualmente, é a
depressão, responsável por 30% dos casos relatados em todo o mundo. Estima-se
que uma em cada quatro pessoas sofrerá de depressão ao longo da vida. Entre os
subtipos, a depressão bipolar – em que fases de euforia e apatia profundas se
alternam – parece ser a de maior risco. O alcoolismo responde por 18% dos casos
de suicídio, a esquizofrenia por 14% e os transtornos de personalidade – como a
personalidade limítrofe e a personalidade anti-social – por 13%. Os casos
restantes são relacionados a outros diagnósticos psiquiátricos.
Estudos de autópsia psicológica (feitos com base em
entrevistas com amigos, familiares e médicos do suicida) mostram que mais de
90% das pessoas que se mataram no mundo tinham alguma doença mental.
Entretanto, doenças psiquiátricas não são condição suficiente para o
comportamento suicida, já que outros fatores – emocionais, socioculturais e
filosóficos – também entram em jogo. Na verdade, essas doenças provocam uma
vulnerabilidade maior ao suicídio. É comum que a pessoa, quando está com
depressão, tenha pensamentos pessimistas, ache que a vida não vale a pena e que
talvez fosse melhor morrer, mas a maioria dos deprimidos não tentará se matar. Somente
os mais impulsivos e agressivos procuram o suicídio.
Pode ser que, em algum momento de nossas vidas,
desconfiemos de que alguém próximo está pensando em suicidar-se em decorrência
de um grande sofrimento. Diante dessa situação, o sentimento de impotência pode
se fazer presente, fazendo-nos acreditar que não há como intervir, uma vez que
a pessoa parece já ter decidido encerrar a própria vida. Entretanto, ao
contrário do que o senso comum tende a reproduzir, existem diversas maneiras de
auxiliar essa pessoa.
Se há uma desconfiança, é importante que se converse
diretamente com a pessoa que está sofrendo. Um diálogo aberto, respeitoso,
empático e compreensivo pode fazer a diferença. Procurar saber como a pessoa
está, o que tem feito ultimamente, como está se sentindo. O foco da conversa
deve ser o outro, portanto, não é recomendável: falar muito sobre si mesmo,
oferecer soluções simples para os problemas que a pessoa relatar e desmerecer o
que ela sente.
Essa conversa pode obter melhores resultados se for
feita em um lugar tranquilo, sem pressa, respeitando o tempo da pessoa para se
abrir. Caso a pessoa se sinta à vontade para compartilhar o seu sofrimento, não
é indicado: rechaçar (“Credo, isso é pecado!”), esboçar expressões de choque
(“Não acredito que você tá pensando nisso!”) e reprimir, caso o choro venha (“Pra
que chorar? Você sempre teve tudo do bom e do melhor!”).
A escuta ativa deve sempre estar presente nesses
diálogos. Uma escuta ativa consiste em realmente ouvir e compreender o que o
outro diz, não apenas esperar uma pausa para poder respondê-lo. Isso não
significa, no entanto, deixar a pessoa falando sozinha. Algumas pontuações que
podem ser feitas consistem em: fazer perguntas abertas; fazer um breve resumo
do que a pessoa falou, de tempos em tempos, para que ela saiba que você está
atento ao que ela diz; retornar a algum ponto que não tenha ficado claro e
tentar, ao máximo, escutá-la sem julgamentos.
Oferecer suporte emocional e informar sobre a ajuda
profissional, bem como se mostrar à disposição, caso ela queira conversar
novamente, são pontos importantes. Se a pessoa falar claramente sobre os seus
planos de se matar e parece estar decidida quanto a isso, é primordial que ela
não seja deixada sozinha. Podem ser contatados os serviços de saúde mental e
familiares/amigos da pessoa. Pode ser necessário que ela fique em um ambiente
seguro, sendo auxiliada por um profissional.
Se você perceber que a pessoa não se sente à vontade
para se abrir, deixe claro que você estará disponível para conversar em outras
oportunidades. Você também pode indicar os serviços oferecidos pelo CVV,
disponível em www.cvv.org.br, que trabalha para promover o bem estar das
pessoas e prevenir o suicídio, em total sigilo, 24h por dia.