quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Vem aí o Setembro Amarelo. Estatísticas indicam ao menos dois casos de suicídio por dia no Paraná. É recorde na série histórica analisada pelo ministério da saúde desde 1979. Quais seriam as razões? Auxílio gratuito ao CVV. Ligue 188 é grátis.


Quais seriam as razões para alguém tirar a própria vida? O desespero pode chegar a beira do insuportável? Uma coisa é fato. A cada dia, o sofrimento – físico ou emocional – fica mais intenso e viver torna-se um fardo pesado e angustiante para muita gente com dificuldade em lidar com o inesperado. Sua dor parece incomunicável; por mais que você tente expressar a tristeza que sente, ninguém parece escutá-lo ou compreendê-lo.

Diante dos aspectos relatados, a vida perde o sentido e a vontade de viver vai aos poucos sendo corroída pelo desejo de parar com a cadeia de sofrimento. O mundo ao seu redor fica insosso para muitos. Você sonha com a possibilidade de fechar os olhos e acordar num mundo totalmente diferente, no qual suas necessidades sejam saciadas e você se sinta outro.

Dentro dessa perspectiva, o suicida pode entender ser a morte o passaporte para essa nova vida? Como isso pode ser possível se a nossa tendência é valorizar a vida e não acabar com ela?

Nossa cultura valoriza a vida em todos os sentidos, haja vista os incontáveis métodos de rejuvenescimento. Daí a morte, mesmo sendo um processo natural, não é bem-vinda porque rompe com o sonho humano de imortalidade. O suicídio, então, é tido como intolerável, nos conduzindo quase sempre a buscarmos uma justificativa para compreender tal ato e amenizar nossa perplexidade.

Parece comum ao ser humano experimentar, pelo menos uma vez na vida, um momento de profundo desespero, dor ou sofrimento e de grande falta de esperança. Os adjetivos são mesmo esses: extremo, insuportável, profundo. Mas, aos poucos, os seus sentimentos e idéias se reorganizam.

Suas experiências cotidianas passam a fazer sentido novamente e você consegue restabelecer a confiança em si mesmo. Você descobre uma saída, procura apoio, encontra compreensão. Aquele desejo autodestrutivo, aquela vontade de resolver todos os problemas num golpe só, se dilui. E você segue adiante. Muitos, no entanto, não conseguem encontrar uma alternativa. O suicídio, para esses, parece ser a última cartada contra o sofrimento, um gran finale para uma vida aparentemente sem sentido, para um presente pesado demais ou para um futuro que por mais amedrontador que seja, possa significar algo melhor que o momento presente.

O suicídio tem muitas explicações, inclusive no campo filosófico, mas não tem explicações objetivas. O suicídio agride, estarrece, silencia. Continua sendo tabu, motivo de vergonha ou de condenação, sinônimo de loucura, assunto proibido na conversa com filhos, pais, amigos e até mesmo com o terapeuta. Mas as estatísticas mostram que o suicídio precisa, ser melhor discutido, e isso já passou da hora faz tempo. Trata-se, além de uma expressão inequívoca de sofrimento individual, de um sério problema de saúde pública.

De acordo com o mais recente relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 804 mil pessoas se mataram no ano 2012 em todo o mundo – uma taxa de 11,4 para cada 100 mil habitantes. Isso significa um suicídio a cada 40 segundos. A “violência autodirigida”, como o suicídio é classificado pela OMS, é hoje a 14ª causa de morte no mundo inteiro. E a terceira entre pessoas de 15 a 44 anos, de ambos os sexos. Por isso, o suicídio não pode mais ser ignorado.

Casos de suicídio muitas vezes são deliberadamente mascarados nas estatísticas oficiais. Suicídios de crianças tidos como morte acidental ou acidentes de automóvel, causados por jovens que dirigem alcoolizados e em alta velocidade: para os especialistas, esses são, sim, atos suicidas.

O pensamos em suicídio é caracterizado com um pensamento humano. por mais incomum ou bizarro que possa parecer. Se não desejamos nos matar, ao menos cogitamos morrer – morrer para escapar do sofrimento, para nos vingar, para chamar a atenção ou para ficar na história. Outro fator que faz a gente pensar é, por que algumas pessoas desistem e outras não?

O suicida tem desejos de vingança como, por exemplo, uma forma de punir pessoas próximas para que se sintam culpadas ou tristes. Pode ainda ter desejo de reparação, de salvação, de escape, de sacrifício, de reencontrar-se com alguém que já tenha morrido, de estar mais próximo de Deus, etc.

Tais desejos são declarados em cartas de despedida ou em fragmentos de conversas relatadas, mais tarde, lembradas por amigos ou familiares, sobre alguns comportamentos ou falas que sinalizavam a intenção de suicídio, mas que naquele momento não deram importância.

Por isso que é perigoso avaliar um comportamento de alguém que diz que quer se matar banalizando com frases do tipo “ele (a) só quer chamar atenção”. É preciso ajudar, sem necessariamente ser um especialista, demonstrando interesse genuíno em acolher o outro.

Coragem ou covardia de quem tira a própria vida? As opiniões se dividem. De qualquer forma, o ato contra a vida pode ocorrer num gesto impulsivo e a pessoa vai embora pra sempre. E é o pra sempre que nos incomoda.

Por trás do comportamento suicida há uma combinação de fatores biológicos, emocionais, socioculturais, filosóficos e até religiosos que, embaralhados, culminam numa manifestação exacerbada contra si mesmo.

Existem causas imediatas predisponentes – como perda do emprego, enfermidade grave ou terminal, fracasso amoroso, morte de um ente querido ou falência financeira, mágoas e decepções dentre outras – que agem como o último empurrão para o suicídio. A análise das características psicossociais do indivíduo, porém, revela os motivos que, ao longo da vida, o auxiliaram a estruturar o comportamento suicida.

Fenômeno complexo, o suicídio configura um assassinato, em que vítima e agressor são a mesma pessoa. A definição de suicídio implica necessariamente um desejo consciente de morrer e a noção clara de que o ato executado pode resultar nisso.

O fato de estar consciente de que vai efetuar um ato suicida não elimina, no entanto, o estado de confusão mental que o indivíduo experimenta momentos antes da ação. Afinal, o suicida tem diante de si duas iniciativas complexas e contraditórias a conciliar naquele momento: tirar a vida e morrer. O suicídio ocorreria, então, num instante em que a pessoa se encontra quase fora de si, fragmentada, com os mecanismos de defesa do ego abalados e, por isso, “livre” para atacar a si mesma.

Há suicídios e suicídios. Por isso, os especialistas costumam avaliar a tentativa de se matar ou o ato propriamente dito a partir de duas variáveis: a intencionalidade e a letalidade. A primeira diz respeito à consciência e à voluntariedade no planejamento e na preparação do ato suicida. A segunda, ao grau de prejuízo físico que a pessoa se inflige. Existem casos em que o indivíduo demonstra evidente intenção de morrer e alto grau de letalidade, ao optar por um método eficiente. Em outras ocorrências, a vontade de morrer é fraca, apesar de voluntária, e o método escolhido é pouco prejudicial. Ou seja: há casos de suicidas propriamente ditos. E há casos em que a pessoa só está pedindo socorro, implorando para ser resgatada. E outros, cujo objetivo é mesmo acabar com a própria vida, por desconhecimento da maneira mais efetiva de causar danos graves a si mesmos, acabam sobrevivendo. É bom lembrar que em casos assim, se o candidato em potencial não receber tratamento adequado, poderá tentar novamente.

Dados da OMS indicam que o suicídio geralmente aparece associado a doenças mentais – sendo que a mais comum, atualmente, é a depressão, responsável por 30% dos casos relatados em todo o mundo. Estima-se que uma em cada quatro pessoas sofrerá de depressão ao longo da vida. Entre os subtipos, a depressão bipolar – em que fases de euforia e apatia profundas se alternam – parece ser a de maior risco. O alcoolismo responde por 18% dos casos de suicídio, a esquizofrenia por 14% e os transtornos de personalidade – como a personalidade limítrofe e a personalidade anti-social – por 13%. Os casos restantes são relacionados a outros diagnósticos psiquiátricos.

Estudos de autópsia psicológica (feitos com base em entrevistas com amigos, familiares e médicos do suicida) mostram que mais de 90% das pessoas que se mataram no mundo tinham alguma doença mental. Entretanto, doenças psiquiátricas não são condição suficiente para o comportamento suicida, já que outros fatores – emocionais, socioculturais e filosóficos – também entram em jogo. Na verdade, essas doenças provocam uma vulnerabilidade maior ao suicídio. É comum que a pessoa, quando está com depressão, tenha pensamentos pessimistas, ache que a vida não vale a pena e que talvez fosse melhor morrer, mas a maioria dos deprimidos não tentará se matar. Somente os mais impulsivos e agressivos procuram o suicídio.

Pode ser que, em algum momento de nossas vidas, desconfiemos de que alguém próximo está pensando em suicidar-se em decorrência de um grande sofrimento. Diante dessa situação, o sentimento de impotência pode se fazer presente, fazendo-nos acreditar que não há como intervir, uma vez que a pessoa parece já ter decidido encerrar a própria vida. Entretanto, ao contrário do que o senso comum tende a reproduzir, existem diversas maneiras de auxiliar essa pessoa.

Se há uma desconfiança, é importante que se converse diretamente com a pessoa que está sofrendo. Um diálogo aberto, respeitoso, empático e compreensivo pode fazer a diferença. Procurar saber como a pessoa está, o que tem feito ultimamente, como está se sentindo. O foco da conversa deve ser o outro, portanto, não é recomendável: falar muito sobre si mesmo, oferecer soluções simples para os problemas que a pessoa relatar e desmerecer o que ela sente.

Essa conversa pode obter melhores resultados se for feita em um lugar tranquilo, sem pressa, respeitando o tempo da pessoa para se abrir. Caso a pessoa se sinta à vontade para compartilhar o seu sofrimento, não é indicado: rechaçar (“Credo, isso é pecado!”), esboçar expressões de choque (“Não acredito que você tá pensando nisso!”) e reprimir, caso o choro venha (“Pra que chorar? Você sempre teve tudo do bom e do melhor!”).

A escuta ativa deve sempre estar presente nesses diálogos. Uma escuta ativa consiste em realmente ouvir e compreender o que o outro diz, não apenas esperar uma pausa para poder respondê-lo. Isso não significa, no entanto, deixar a pessoa falando sozinha. Algumas pontuações que podem ser feitas consistem em: fazer perguntas abertas; fazer um breve resumo do que a pessoa falou, de tempos em tempos, para que ela saiba que você está atento ao que ela diz; retornar a algum ponto que não tenha ficado claro e tentar, ao máximo, escutá-la sem julgamentos.

Oferecer suporte emocional e informar sobre a ajuda profissional, bem como se mostrar à disposição, caso ela queira conversar novamente, são pontos importantes. Se a pessoa falar claramente sobre os seus planos de se matar e parece estar decidida quanto a isso, é primordial que ela não seja deixada sozinha. Podem ser contatados os serviços de saúde mental e familiares/amigos da pessoa. Pode ser necessário que ela fique em um ambiente seguro, sendo auxiliada por um profissional.

Se você perceber que a pessoa não se sente à vontade para se abrir, deixe claro que você estará disponível para conversar em outras oportunidades. Você também pode indicar os serviços oferecidos pelo CVV, disponível em www.cvv.org.br, que trabalha para promover o bem estar das pessoas e prevenir o suicídio, em total sigilo, 24h por dia.